Pesquisa europeia afirma que o pessimismo dos pacientes pode comprometer a eficácia de tratamentos, mesmo com as melhores técnicas
Uma antiga crença popular acaba de ganhar comprovação científica. Publicado em fevereiro na revista Science Translational Medicine, um estudo liderado pela Universidade de Oxford, da Grã-Bretanha, com a participação de outras três instituições europeias, mostrou que o pensamento negativo pode, sim, ter consequências nocivas. Pelo menos quando o assunto é saúde.
Decididos a desvendar os mistérios do cérebro e a testar se as convicções dos pacientes podem alterar o resultado de um tratamento, os cientistas reuniram 22 voluntários para uma bateria de exames. No laboratório, sem que os envolvidos soubessem, manipularam suas expectativas em relação à dor. Os resultados foram surpreendentes.
Imagine a cena: acomodados em um aparelho de ressonância magnética, com tubos intravenosos nos braços, os participantes foram expostos a uma dor física, provocada por uma fonte de calor. Pela corrente sanguínea, passaram a receber um analgésico potente.
Em determinado momento, ficaram sabendo que o medicamento seria cortado repentinamente. Quando isso aconteceu, os relatos de sofrimento aumentaram vertiginosamente. Nada demais, não fosse um pequeno detalhe: eles continuavam medicados. O mais curioso é que, por meio de imagens da atividade cerebral dos voluntários, os estudiosos confirmaram que eles realmente sentiam o desconforto relatado. Em outras palavras, a certeza de que a situação iria piorar anulou o efeito do remédio.
– Isso mostra que os médicos não podem subestimar a influência das expectativas negativas que os pacientes têm sobre o resultado de um tratamento – declarou a professora Irene Tracey, do Centro de Ressonância Magnética Funcional do Cérebro da Universidade de Oxford, que comandou o trabalho.
A conclusão também reforça algo que outras pesquisas já vinham apontando. Um levantamento desenvolvido em 2010 pela International Stress Management Association (Isma) revelou que, entre pessimistas inveterados, as chances de desenvolver moléstias – como problemas gástricos, dores musculares, arritmia e taquicardia – são maiores. Pelo menos 94% dos entrevistados disseram sofrer com alguma preocupação crônica, 83% apresentaram sintomas de ansiedade e 79% de angústia.
– Na ciência, classificamos os pessimistas como pessoas que interpretam as dificuldades como fracassos e sempre esperam o pior. Eles sofrem muito. Acham que o mundo é injusto, são inflexíveis e obsessivos – destaca a presidente da Isma no Brasil e PhD em Psicologia, Ana Maria Rossi.
Não raro, quanto mais pensamentos negativos nutrem, mais pessimistas ficam. Mas o que está por trás disso? O neurologista Pedro Schestatsky diz que a explicação passa por um conjunto de fatores. Em geral, sempre que uma pessoa crê que algo vai dar errado e vive uma situação de estresse, um gatilho hormonal é disparado no cérebro, e substâncias como cortisol e adrenalina são liberadas. É como se o órgão percebesse que há algo ruim por vir e preparasse o corpo para a guerra – mantendo-o em estado de hipervigilância.
Em pessoas saudáveis, essas descargas são comuns e até benéficas. O problema é que, no caso dos pessimistas, passam a ser contínuas. O resultado da cascata hormonal é a diminuição da capacidade de suportar a dor e o enfraquecimento do sistema imunológico, abrindo brechas a doenças. Por essa e por outras razões, Schestatsky comemora o resultado da pesquisa britânica:
– O estudo comprova o quanto é importante o médico conversar com seu paciente, entender o que se passa na cabeça dele e trabalhar isso. Não adianta atendê-lo em cinco minutos e prescrever um remédio sem um vínculo terapêutico. Se a expectativa for ruim, tem tudo para dar errado.
juliana.bublitz@zerohora.com.br
JULIANA BUBLITZ
Uma antiga crença popular acaba de ganhar comprovação científica. Publicado em fevereiro na revista Science Translational Medicine, um estudo liderado pela Universidade de Oxford, da Grã-Bretanha, com a participação de outras três instituições europeias, mostrou que o pensamento negativo pode, sim, ter consequências nocivas. Pelo menos quando o assunto é saúde.
Decididos a desvendar os mistérios do cérebro e a testar se as convicções dos pacientes podem alterar o resultado de um tratamento, os cientistas reuniram 22 voluntários para uma bateria de exames. No laboratório, sem que os envolvidos soubessem, manipularam suas expectativas em relação à dor. Os resultados foram surpreendentes.
Imagine a cena: acomodados em um aparelho de ressonância magnética, com tubos intravenosos nos braços, os participantes foram expostos a uma dor física, provocada por uma fonte de calor. Pela corrente sanguínea, passaram a receber um analgésico potente.
Em determinado momento, ficaram sabendo que o medicamento seria cortado repentinamente. Quando isso aconteceu, os relatos de sofrimento aumentaram vertiginosamente. Nada demais, não fosse um pequeno detalhe: eles continuavam medicados. O mais curioso é que, por meio de imagens da atividade cerebral dos voluntários, os estudiosos confirmaram que eles realmente sentiam o desconforto relatado. Em outras palavras, a certeza de que a situação iria piorar anulou o efeito do remédio.
– Isso mostra que os médicos não podem subestimar a influência das expectativas negativas que os pacientes têm sobre o resultado de um tratamento – declarou a professora Irene Tracey, do Centro de Ressonância Magnética Funcional do Cérebro da Universidade de Oxford, que comandou o trabalho.
A conclusão também reforça algo que outras pesquisas já vinham apontando. Um levantamento desenvolvido em 2010 pela International Stress Management Association (Isma) revelou que, entre pessimistas inveterados, as chances de desenvolver moléstias – como problemas gástricos, dores musculares, arritmia e taquicardia – são maiores. Pelo menos 94% dos entrevistados disseram sofrer com alguma preocupação crônica, 83% apresentaram sintomas de ansiedade e 79% de angústia.
– Na ciência, classificamos os pessimistas como pessoas que interpretam as dificuldades como fracassos e sempre esperam o pior. Eles sofrem muito. Acham que o mundo é injusto, são inflexíveis e obsessivos – destaca a presidente da Isma no Brasil e PhD em Psicologia, Ana Maria Rossi.
Não raro, quanto mais pensamentos negativos nutrem, mais pessimistas ficam. Mas o que está por trás disso? O neurologista Pedro Schestatsky diz que a explicação passa por um conjunto de fatores. Em geral, sempre que uma pessoa crê que algo vai dar errado e vive uma situação de estresse, um gatilho hormonal é disparado no cérebro, e substâncias como cortisol e adrenalina são liberadas. É como se o órgão percebesse que há algo ruim por vir e preparasse o corpo para a guerra – mantendo-o em estado de hipervigilância.
Em pessoas saudáveis, essas descargas são comuns e até benéficas. O problema é que, no caso dos pessimistas, passam a ser contínuas. O resultado da cascata hormonal é a diminuição da capacidade de suportar a dor e o enfraquecimento do sistema imunológico, abrindo brechas a doenças. Por essa e por outras razões, Schestatsky comemora o resultado da pesquisa britânica:
– O estudo comprova o quanto é importante o médico conversar com seu paciente, entender o que se passa na cabeça dele e trabalhar isso. Não adianta atendê-lo em cinco minutos e prescrever um remédio sem um vínculo terapêutico. Se a expectativa for ruim, tem tudo para dar errado.
juliana.bublitz@zerohora.com.br
JULIANA BUBLITZ
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,1161,3238439,16684
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